sábado, 30 de abril de 2016

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dias 13-19)

FERNANDO DE NORONHA

Quanta expectativa! Viajar para Noronha decididamente não é para qualquer um, e percebe-se que paira sobre a ilha uma aura de "não me toque", por conta de uma suposta fragilidade, cujo abraço acolhedor custa aos afortunados visitantes uma taxa (e não é qualquer taxa ...) de preservação ambiental, uma taxa de visitação do Parque Nacional (OK, muitos parques cobram), mas mais que tudo, preços exorbitantes desde uma simples garrafinha de água-mineral até outros, de outra ordem de grandeza, no tocante à hospedagem, transporte (afora o ônibus de horário incerto), alimentação, etc.

Mas, como qualquer pedaço do território brasileiro, este também merece ser estudado. Desta forma, como pesquisadores, e após um considerável esforço no sentido de obter as necessárias licenças e isenções, rumamos para as ilhas. Já de cara no aeroporto de Natal (São Gonçalo do Amarante) a "agradável" surpresa de que cada kg extra de bagagem nos custaria R$23,00 pela companhia Azul. Foram R$800 apenas por conta disso. Vá conseguir espremer equipamentos de mergulho, de coleta (marretas, sacos, frascos, ...), freezer portátil, etc ... dentro dos 23 kg de direito de cada passageiro!

Porque escolhemos Fernando de Noronha? Essa é fácil. Era o único local que conhecíamos na costa brasileira em que seria garantido conseguir material da Grande Esponja Barril (Xestospongia muta), um dos alvos da tese de Camille. Ela já havia buscado a espécie em Salvador, onde já a vimos anteriormente, porém sem sucesso. Lá ela é rara e pequena, ao menos nos locais próximos à Salvador em que normalmente se mergulha. Portanto tínhamos de ir. 

Chegando em Noronha, a 2a surpresa, nossos nomes não constavam da lista online de isentos da taxa de preservação, pequena contrapartida do governo pernambucano para facilitar a vida daqueles que não visitam a ilha na condição de turistas. Mas o fato é que a espera no aeroporto passou num piscar de olhos pois a cordialidade das Sras. responsáveis por verificar o tema da isenção era a melhor possível.

Eis a ilha (arquipélago) em questão. À noroeste, o acolhedor Mar de Dentro, onde realizamos praticamente todas nossas atividades de pesquisa. À sudeste, o inquieto Mar de Fora, que não nos permitiu uma visita desta vez, assim como o fizera em 2003, quando da última, e também primeira visita ao arquipélago. As setas apontam nossos pontos de mergulho, alguns visitados duas vezes apesar dos esforços da Atlantis para nos levar a novos locais em cada mergulho

Finalmente chegamos à Pousada do Eli, que como quase tudo em Noronha, oferece menos por mais. Porém, aqui também não há qualquer queixa quanto à cordialidade do pessoal, pois Paula e Emerson fizeram o que estava ao seu alcance para que nos sentíssemos em casa. Uma marca registrada nossa é que não raro não cabem nos quartos da pousada toda a tralha que carregamos conosco. Desse modo, ocupamos boa parte da mansarda da pousada, fato facilitado pela conveniência de que não havia muitos outros hóspedes, e pelo fato notável de que, ao que consta, roubos não são frequentes na ilha. Desta forma conseguíamos quase secar nossos equipamentos de mergulho entre um dia e outro, o que jamais ocorreria tivesse tudo ficado empilhado dentro do banheiro. Mais importante, senão mesas e cadeiras, tínhamos ao menos espaço para processar os materiais coletados, o que sempre levava ao menos um par de horas após cada saída para mergulhar. O ICMbio viria a nos oferecer a possibilidade de utilizar uma área de laboratório, mas como cada ida do porto ou da pousada ao instituto nos custaria R$100 a ida e volta dos dois táxis necessários, optamos por nos virar na pousada mesmo. Dessa forma, também podíamos nos valer do apoio dos quartos (materiais de triagem, frigobar, minifreezer, etc).

Uma vez instalados, a prioridade 1 era ir ao ICMbio nos apresentar e discutir um plano de trabalho. Encontramos com o Chefe do PARNA, Eduardo C. de Macedo, e funcionária Thayná J. Mello, responsável pela área de pesquisa dentro da unidade de conservação. De cara estava claro que tínhamos um entrave a falta de um cronograma de atividades definitivo. Ter um cronograma definitivo implicaria em fretar um barco de mergulho exclusivo, o que estava fora de nossas possibilidades. A melhor oferta que obtivemos foi de R$5.500,00/dia, caso a tivéssemos fechado até Dezembro do ano anterior. Mas, o contingenciamento pela CAPES dos recursos outorgados a nosso projeto, e a perspectiva de ter de gastar muito em Fortaleza para viabilizar nossas almejadas coletas em alto mar, impediu de todas as formas que considerássemos essa opção. Assim, chegamos à ilha sem um cronograma definitivo. Combinamos que tão logo o tivéssemos, informaríamos o ICMbio.

Próximo passo, operadoras de mergulho, para ver o que conseguíamos em termos de "desconto para pesquisadores", na esperança de não voltar de Noronha sem um mergulho na bagagem ao menos. Afinal, no mínimo mais minimalista, precisaríamos amostrar a Grande Esponja Barril. Lembram-se? Obviamente, não éramos seis pesquisadores na ilha à cata de uma esponja! Mas, se não conseguíssemos viabilizar os mergulhos SCUBA, ao menos snorkel faríamos.

Fechamos com a Atlantis (www.atlantisdivers.com.br). Conseguimos um preço especial, ainda bem mais caro que em Cabo Frio (RJ), porém bem melhor que aquele reinante em Noronha, de uma forma geral. Nos foi prometido também que se faria o possível para acomodar as escalas de mergulhos turísticos com nossa necessidade de visitar determinados pontos em busca de nossas esponjas. Isso teria sido muito mais fácil se tivéssemos condições de arcar com os custos de uma embarcação exclusiva. Mas como não era esse o caso, a preocupação da Atlantis em viabilizar nosso trabalho, nos deu um grande alívio.

Seria injusto de nossa parte não ressaltar o papel essencial prestado pela operadora de mergulho Mar de Noronha (www.facebook.com/mardenoronha), na icônica e simpática figura do Bodão, para o sucesso de nossas pesquisas. Em primeiro lugar, era através dos mergulhos de praia da Mar de Noronha que sabíamos que ao menos um SCUBA faríamos em Noronha, pois os custos aí eram bem mais acessíveis, e foram ainda mais graças ao "desconto pesquisador". Em segundo lugar, foi o Bodão que se prontificou a receber e armazenar o etanol que enviamos de Recife para Noronha de navio, já que no avião ele não viajaria nem por Decreto. Sem etanol em Noronha, estaríamos de mãos atadas, tendo de voltar alguns séculos na história e secar nossas esponjas ao sol. E como este foi o 1º mergulho que fizemos em Noronha, é dele que sairão as imagens da próxima postagem. Até lá!

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dias 10-11)

10º e 11º dias da expedição (17-18/04/2016). Dia 16 tratamos de alcançar Pirangi, nossa próxima parada. Eu seguia com a Peugeot 2006 SW, mal conseguindo enxergar o espelho retrovisor em função do entulhamento de bagagens neste carro. No outro, um Gol sem direção, sem ar, sem rádio, e sem espelho retrovisor (ou quase isso), seguiam os demais expedicionários: Sula na direção, André, Humberto, Camille e Cristiana. O Gol tinha ainda a missão de encontrar com a Profa. Renata Mendonça da UFRN, que havía nos conseguido um transformador para usar com o microscópio, e nos cederia um pouco mais de solvente para preservação de amostras para estudo químico. Em Pirangi, o desafio era conseguir viabilizar um mergulho autônomo, pois havíamos visto as imagens recebidas de Lígia Rocha (http://pontadepirangi.org.br/). Infelizmente, os astros não estavam a nosso favor, e após movido meio mundo para viabilizar o mergulho de uma dupla nas localidades conhecidas como Mestre Vicente ou Barreirinhas, 30 min antes do horário combinado com o pescador Del, escutamos no Bom Dia RN a seguinte notícia:

"A Marinha do Brasil alerta aos navegantes da área do litoral do Rio Grande do Norte, sobre a previsão de Ressaca com ondas de SE/E de 2,5 metros, na área entre as cidades de MACEIÓ (AL) e TOUROS (RN), a partir de 18ABR16 das 12h00min até 21ABR16 às 06h00min;
A Capitania dos Portos recomenda que as embarcações de pequeno porte evitem navegar no mar nestes dias e que as demais embarcações redobrem a atenção quanto ao material de salvatagem, estado geral dos motores e casco, bomba de esgoto do porão, equipamentos de rádio e demais itens de segurança."

Resta-nos agradecer não apenas ao pescador Del que assegurou a embarcação e buscou formas de conseguir cilindros adicionais para SCUBA, ao Sr. Canindé da UFRN, que nos emprestou dois cilindros SCUBA cheios e algum lastro para reforçar o que trouxéramos, à Lígia e ao Guido do Projeto Ponta de Pirangi, pelos esforços para viabilizar essa coleta e as dicas de onde e como faze-la, à Profa. Renata Mendonça, pelo solvente adicional e transformador, e à Sra. Noelle da Pousada Os Sixties (https://www.airbnb.com.br/rooms/2706597), por nos permitir estacionar os veículos dentro de sua pousada por questão de segurança.

Porém. não ficaríamos a seco nos dois dias previstos para Pirangi em nosso cronograma, e assim foi. Mergulhos no entremarés nos dias 17 e 18, na localidade de Pirambúzios, apesar das condições totalmente adversas.

Os recifes de Pirambúzios, ao sul de Pirangi, são certamente convidativos a uma inspeção, e na falta de condições de mar que nos permitissem realizar os mergulhos SCUBA pretendidos, uma excelente opção. O círculo vermelho ilustra a área que Lígia Rocha nos havia sugerido visitar, por sua maior profundidade. Porém as ondas que entravam pelo canal indicado com a seta, nos obrigaram a permanecer na área do círculo amarelo, muito rasa. Pior mesmo foi a turbidez da água, porque esponjas até que havia, como ilustram as próximas imagens.

Era quase que óbvio que encontraríamos essas esponjas neste recife. Raso, muita sedimentação, boa circulação, e "voilá", aí estão. Cinachyrella sp. serviu não apenas para compor o material que Sula estudará em suas comparações Brasil x Caribe, como para compor um lote de material (500-1000gr) do qual a Profa. Renata Mendonça procurará extrair alguma novidade na esfera dos metabólitos secundários.

MNRJ 20121 tem cara de quê? Stelletta beae? Já já saberemos. O material despachado de Natal deve chegar ao Rio por volta do dia 04-05/05. Apesar de estarmos com o microscópio na pousada, não houve tempo hábil para fazer preparações.


Quem procura, acha, não é? Sequer foi coletada, mas comprova-se que estas Mycale spp. estão sempre presentes no entremarés do nordeste. Ao menos entre a Bahia e o Ceará, sempre que buscamos o que há sob os matacões nos deparamos com espécimes finamente incrustantes, de coloração amarela ou vermelha, e com a superfície marcadamente reticulada, marcas registradas destas esponjas.

MNRJ 20122, uma Tethya sp descontraída (literalmente!). Na foto abaixo, nota-se nitidamente os brotos de sua reprodução assexuada, como já ilustrado neste blog (p.ex. http://esponjasbrasileiras.blogspot.com.br/2011/09/1a-expedicao-do-pnpd-porifera-1.html). Reparem que entre a camada mais externa, vermelha, e a mais interna, amarela, há uma camada delgada de coloração branca. Este é o córtex da esponja, aqui caracterizado com uma densa concentração de espículas silicosas em formato de estrelas, denominadas ásteres (mais abaixo). Notem também que a esponja perdeu sua descontração com o manuseio e seccionamento, e as placas da superfície que estavam tão nítidas acima, estão agora fusionadas.


Imagem obtida pelo Dr. Philippe Willenz do Instituto Real Belga de Ciências Naturais (Bruxelas), a partir de uma Tethya coletada no Chile.


Geodia sp. Será a boa e velha G. gibberosa Lamarck, 1815, espécie tipo do gênero? Essa é uma esponja de muitas caras. Vá saber. Outros espécimes identificados como G. gibberosa eram brancos. Veremos ... 

Outra esponja de muitas caras ... Haliclona caerulea, aqui com sua fantasia de Amphimedon viridis. Como tanto uma quanto a outra ocorrem neste tipo de ambiente, deve-se estar atento às sutilezas. 

Fim de mergulho, maré subindo, chuva apertando, vento idem. Aquela delícia de praia, não é mesmo? A chuva batia com tanta força que precisava-se usar a nadadeira para proteger o rosto das pancadas, como fazia Cristiana nesta foto.


Pôster produzido pela equipe do Projeto Ponta de Pirangi. A esponja ilustrada na 1a foto acima e à direita no pôster, uma Aplysina lacunosa, era o tipo de esponja que esperávamos ver se tivéssemos conseguido realizar os mergulhos SCUBA. Ficou para a próxima.

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dia 08)

9º dia de expedição (15/04/2016): mergulho na extremidade sul dos Parrachos de Maracajaú. Nos dias 13 e 14/04 (7º e 8º da expedição), estivemos largando a 1a fase, no Ceará, e partindo para a 2a, no Rio Grande do Norte. Dia 13 despachamos 70kg de carga de volta para o Rio pela Itapemirim, incluindo as duas dragas que sequer chegaram a sair do escritório da empresa. Ôô tristeza!! Dia 14 chegamos cedo em Natal após a noite dormida no ônibus. Não há serviço de Leito para a rota Fortaleza - Natal, de modo que o Semi-Leito da Empresa Guanabara foi o melhor que conseguimos. Apenas esclarecendo: tínhamos passagens da Gol adquiridas para essa rota, em horário muito conveniente. Ocorre que a empresa alterou o voo para um com saída às 03:30h com destino ao Rio de Janeiro, para posterior conexão à Natal, onde só chegaríamos à tarde. Seria uma piada se não tivéssemos recebido o informe diretamente de nosso agente de viagens, em uma mensagem séria. Chegando na Rodoviária de Natal contatamos a locadora Lira, com a qual tínhamos reservado dois carros. E olhem que nossa bagagem só coube por milagre!

Nesta imagem retirada do site do G1, os Parrachos se mostram em seu esplendor. Porém, não foi esse o visual que vimos dessa vez em virtude da grande quantidade de chuvas e de vento, bem como pelo fato de estarmos em período de marés mortas, com as baixas na casa dos 0,5-0,6 m. Voltar aos Parrachos para fazer snorkel não valeria a pena, então passamos um bom tempo tentando viabilizar um mergulho autônomo, que por fim aconteceu. Porém, em condições LONGE, mas MUITO LONGE, das ideais ...


Dentre os achados no meio do turbilhão, uma velha conhecida, a célebre "moranguinho do Nordeste", cuja (re)descrição está a cargo de Sula Salani Mota. O fato é que a água, e por conseguinte, os mergulhadores, moviam-se tanto nos 4-5 m em que mergulhávamos, que só nos demos conta de que esponja era essa após baixar as fotos no computador e olha-la mais de perto.
Esse espécime de Ircinia felix era certamente um dos maiores que já vi, com bem mais que 1m em seu maior diâmetro, e cerca de 30cm de altura. Sua complexidade tridimensional era disparamente maior que a do substrato do entorno, só rivalizada pela das algas, que no entanto, não oferecem semelhante abrigo por serem muito mais brandas, e moverem-se freneticamente ao sabor das ondas.

Mais uma vez pudemos contar com a dupla que nos auxiliou em 2014, o Sr. Risadinha, e seu filho (na água) Albertino. Não me recordo se Camille e sua indefectível máscara rosa se equipava ou desequipava neste momento. O mar puxava bastante, e o apoio era mais que bemvindo. Desta vez, o mergulho foi a partir de catamarãs, uma vez que após um acidente ocorrido em 2014 (notícia abaixo), a Marinha proibiu o uso de jangadas no transporte de passageiros para os Parrachos.

Apesar da falta de um por de sol verdadeiro, uma caminhada nas dunas ao fim do dia brindava momentos de rara beleza. 


domingo, 17 de abril de 2016

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dia 06)

PEMPRIM

ou


Parque Estadual Marinho da Pedra da RIsca do Meio
(Fortaleza, CE)

Em 12/04, finalmente chegou o dia. Em 2014 não tínhamos conseguido uma data, mas agora, finalmente, tudo certo para a 1a coleta na Pedra da Risca do Meio desde 2004, quando Eduardo a visitou pela primeira vez e conseguiu-se grande quantidade de material biológico para estudos de quimiodiversidade e bioatividade (farmacologia/farmacognosia). Não por acaso, a expectativa era enorme. Afinal, por mais relaxante e por vezes até mesmo proveitoso que sejam os mergulhos em piscinas do entremarés, é no infralitoral, especialmente abaixo dos 15-20 m de profundidade que as esponjas começam a se mostrar mais "desavergonhadas". Não me recordo se essa informação já entrou em alguma brecha deste blog, mas acho que vale ressaltar: 80% da biomassa bentônica (seres vivos que vivem sobre o/no leito marinho) obtida entre Cabo de São Tomé (RJ) e Salvador (BA) pelo Programa REVIZEE constitui-se de esponjas (Lavrado HP, 2006. Capítulo 1. In: Lavrado HP, Ignácio BL (eds). Biodiversidade bentônica da região central da Zona Econômica Exclusiva brasileira. Museu Nacional, Série Livros 18, Rio de Janeiro.).


O PEMPRIM situa-se a cerca de 20km do Porto do Mucuripe, e a traineirinha que nos levou até lá tomou bons 90 min para alcançar o local. Solicitamos que fosse um ponto com boa complexidade tridimensional, tendo-se então decidido que a própria Pedra da Risca do Meio era a melhor opção para o 1º mergulho. O 2º foi planejado para o Cabeço do Arrastado, e acabou sendo aquele que mais agradou à equipe de pesquisadores. O mergulho foi acertado com a empresa Mar do Ceará (http://mardoceara.blogspot.com.br/2015/07/parque-estadual-marinho-da-pedra-da.html), através de contato direto com Marcus Davis, Diretor de Cursos e Operações. Mapa retirado de www.brasilmergulho.com/port/points/ce/

Reparem que na propaganda institucional da Mar do Ceará esponjas aparecem em destaque. Aqui, uma Agelas (Agelasida), que está mais para uma Barreira Biogeográfica, que para um singelo espécime de esponja do mar.

Certamente uma das esponjas mais bonitas do Brasil, a Geodia corticostylifera (Tetractinellida). Ocorre em abundância no litoral norte do Estado de São Paulo, de onde pesquisadores paulistas obtiveram material biológico para importantes estudos de bioatividade que revelaram que os geodiamolídeos são capazes de deter a proliferação de células tumorais (Freitas VM, Rangel M, Bisson LF, Jaeger RG, Machado-Santelli GM. 2008. Journal of Cellular Physiology 216, 583-594). A espécie é conhecida de amplo segmento do litoral brasileiro, e também de algumas localidades no sul da Região do Caribe.


MNRJ 20065, momento em que o espécime de Monanchora arbuscula é coletado. Essa é uma das duas espécies alvo da Tese de Doutoramento de Camille, que pretende estudar a metabolômica e metagenômica da espécie ao norte e ao sul da foz do Amazonas. Humberto obteve materiais da Martinica em Março. Nos próximos dias deveremos estar coletando em Fernando de Noronha. E em Julho, já está certa a ida a Bocas del Toro (Panamá), onde obteremos mais material comparativo. 

Humberto conseguiu mais algumas Dragmacidon reticulatus (Axinellida) no mergulho. Só não conseguiu fotografa-las in situ.

No que depender das camisetas, é sem sombra de dúvidas uma equipe unida! À frente, Camille, Cristiana, Sula e Eduardo. Atrás, Humberto, Fábio e André. Mais ao fundo ainda, Fortaleza! A foto não indica sequer minimamente o enjoo generalizado que mais do que todos, deixou Eduardo fora do páreo da coleta. 


Publicação de taxonomia derivada da coleta de 2004, em que se descreveu a espécie Sigmaxinella cearense (Biemnida), 1º registro do gênero para o Oceano Atlântico.

sábado, 16 de abril de 2016

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dias 03-05)

3º, 4º e 5º dias de expedição (09-11/04/2016): 2a e 3a coletas no entremarés, desta vez na descohecida Praia do Boi Choco, vizinha à de Dois Coqueiros. Tudo alagado, muito chuva no caminho, alguma dificuldade em encontrar o local, mas a visão dos recifes expostos na maré baixa era de tirar o fôlego. Não estamos falando de quaisquer marés! Vejam o trecho correspondente da Tábua de Marés para o Porto do Pecém, bem próximo a nosso ponto de coleta. Tivemos maré negativa no dia 09, e 0,3 no dia 11. No Domingo, dia 10, nos dedicamos a identificação preliminar do material já coletado, tendo feito algumas descobertas interessantes.


Tábua de Marés dos dias 09-11 de Abril de 2016 para o Porto do Pecém (CE). 

Recife da Praia do Boi Choco, com indicação da localização das principais piscinas em que coletamos (elipse) e o local onde se pode estacionar o carro (seta).

Recifes costeiros de arenito da Praia do Boi Choco (Caucáia, CE). Algumas destas piscinas possuíam amplas áreas com profundidades na faixa dos 50-80 cm, e na borda do recife, até mesmo 2-3 m de profundidade ocorria, com grandes locas semi-obscuras. Em sua ampla maioria estes ambientes abrigados da iluminação direta estavam recobertos por esponjas e ascídias coloniais.

Alguns locais são guardados a "unhas e dentes".

Sula Salani Mota encontra sua primeira Tedania ignis, espécie que também deverá ser estudada no âmbito das comparações Brasil x Caribe pretendidas em nosso projeto.

Em nossa incansável busca por Chondrilla do complexo nucula, esbarramos em várias Chondrosia aff. reniformis (foto acima). Chondrilla nos foi encomendada pela Profa. Dra. Michelle Klautau (UFRJ) e sua doutoranda Baslavi C. Lujan, que também se dedicam à caracterização da conectividade Brasil x Caribe. Nos foram encomendadas ainda algumas espécies de Calcarea, que infelizmente não deram suas caras até agora.

MNRJ 20060, uma provável Haliclona (Haplosclerida) que deverá ser estudada por André Bispo em seu doutoramento.

MNRJ 20046, Scopalina ruetzleri (Scopalinida), espécie abundante na Praia do Boi Choco, bem como em todo o Atlântico Tropical Ocidental. Portanto, nada mais natural que se trate de um de nossos alvos para as comparações Brasil x Caribe. Neste caso específico, a Dra. Mariana Carvalho, ainda em seu mestrado encontrou ampla variação morfológica ao longo da costa brasileira, o que precisa ser visto em maior detalhe. Estudo conduzido por pesquisadores espanhóis com distintas populações do que se acreditava tratar de Scopalina lophiropoda constatou a existência de um complexo contendo ao menos quatro espécies crípticas (Blanquer A, Uriz MJ 2008. Invertebrate Systematics 22, 489-502).
No dia 09 ainda encontramos forças para, novamente, celebrar o aniversário do André. Em 2014 estávamos em Maracajaú nesta data. Eduardo mal podia abrir os olhos.

MNRJ 20126, outra Haliclona (Haplosclerida) que será "interrogada" pelo André. Essa esponja rosa-lilás, segundo corre pelos bastidores, está com pinta de espécie nova.

MNRJ 20085 é epibionte no octocoral Carijoa riisei. Não era uma associação muito comum nas piscinas que visitamos, mas é um padrão que se observa nos mais distintos cantos do planeta. Eduardo, em seu pós-doutoramento na USP coletou grande número de esponjas valendo-se desse substrato no litoral norte do Estado de São Paulo. Em 2013, pesquisadores italianos publicaram um amplo estudo sobre poríferos epibiontes em octocorais no Indo-Pacífico, boa parte dos quais coletados sobre Carijoa riisei (Calcinai B, Bavestrello G, Bertolino M, Pica D, Wagner D, Cerrano C, 2013. Zootaxa 3617, 001-061).

Dentre os habitantes desta face inferior de pedaço de recife, várias esponjas (branca, amarelada, laranja) e ascídias (branco mais branco). As duas bolinhas amarelada e laranja pertencem ao gênero Tethya (Tethyida), que apesar dos recentes estudos dedicados às espécies brasileiras, permanece com sua diversidade, sem sombra de dúvidas, subestimada em nosso litoral (Ribeiro SM, Muricy G, 2004. Zootaxa 557, 1-16. Ribeiro SM, Muricy G, 2011. Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom 91, 1511-1528).

Cliona do grupo celata (Clionaida), encontrada, coletada e identificada por Camille, que após uma Dissertação de Mestrado dedicada à taxonomia de esponjas perfurantes do Brasil (da família Clionaidae), enxerga essas esponjas "até debaixo d'água" (e de olhos vedados ...). Cada papila amarelinha que se vê nesta imagem não tem mais que 1-2 mm de diâmetro.

Maré subindo, hora de voltar para a praia. Não sem antes disparar uns cliques descontraídos, que em se tratando deste tipo de ambiente, as meninas aceitam que não se tomem com os celulares. Imagino que na próxima expedição alguém já esteja levando o celular ensacado para a apnéia. À frente, André. Na piscina, Camille (de máscara rosa), Cristiana, Sula e Humberto.

Humberto dessalgando nos minutos que antecedem o avanço coletivo sobre a macaxeira frita, iscas de peixe e outros kitutes, para em poucos minutos transformar-se o restaurante em laboratório de praia, com diversas mesas tomadas pelos trabalhos de triagem e fixação de amostras (etanol absoluto, RNAlater, Bouin, glutaraldeído e cacodilato de sódio, congelament

E agora que vocês já sabem tudo de Boi Choco sob as ondas, vejamos o que nos diz João Soares Neto, de Boi Choco de cara para o mar ... 



"BOI CHOCO - Jornal O Estado

Cansado das praias conhecidas, bares, clubes e restaurantes onde sempre encontramos as mesmas figuras, algumas tristes, como as queria Cervantes, outras saltitantes, como manda a vida que escolheram, fui, com pequeno grupo de amigos, levado ao Boi Choco. Certamente, vocês não sabem onde fica o boi choco. Eu também não sabia. Ele não consta de roteiro turístico, tampouco dos lugares aonde os saltitantes espíritos vão ao sair de casa, não para comer ou beber, mas para serem vistos ou ver e falar o que não sabem.

O Boi Choco é um lugar perdido na zona oeste, no lado onde o sol dormita no crepúsculo, depois da barra de um rio, logo após o passar da grande ponte e começa outra cidade. Depois de se passar por um arruamento precário, chega-se a uma nesga de praia com pouca areia, em maré cheia. e uma curva profunda, com barracas de palha, mesas de madeira velha, cadeiras tortas e maresiadas, sons bregas emitidos por toca-fitas de carros com muito tempo de fabricação, múltiplos donos e alquebradas funilarias, mas que se afoitam a varar o areal, munidos de espontâneos capatazes dispostos a empurra-los quando o eixo traseiro afunda.

E foi em um desses bares, onde o próprio dono serve os comes e bebes vestido em encardido calção de cor indefinida e mostra as pelancas de sua protusa barriga, que ficamos. Ao lado, havia pessoas misturando cachaça com sukita e tirando gosto com cerveja, sem esquecer de dar uma colherada em um baião-de-dois que mostrava a independência do feijão e do arroz.

E foi lá que vi um bêbado que não era equilibrista, certamente não ouvira falar em Aldir Blanc, trocando as pernas e tartamudeando palavras, mas não escondia o desejo de mais uma bicada. Não sei se continuará bêbado, mas todo o seu sistema renal deveria estar sendo cobrado e os olhos vermelhos demonstravam a queda dos seus impulsos. E nas paredes estavam sendo afixados cartazes de candidatos, não mais com a velha cola branca, pois são autocolantes, eleição moderna, ora vejam. E quando me distanciei da roda para ver o mar de perto, ouvi o pio do meu celular inform@r que a bateria havia descarregado e eu estava só, isolado e olhando para a minha cidade, tão perto, mas distantemente silenciosa, não mais aquela que nos aconchegava a todos, mas a que amedronta em todas as esquinas, ruas e lugares. Ali, em meio ao sol da tarde e ao vento agudo que trazia micro grãos de areia vi meus olhos marejarem, mas isto é outra história.

João Soares Neto,

cronista

CRÔNICA PUBLICADA NO DIÁRIO DO NORDESTE EM 08/09/2006.

JOÃO SOARES NETO

CRONISTA"

(retirado de http://www.joaosoaresneto.com.br/artigo.asp?id=573)

domingo, 10 de abril de 2016

TB'16 - Expedição TAXPOmol Biodescoberta 2016 (Dia 02 - 08/04/16)

2º dia de expedição: 1º dia de coleta - alvo: Praia de Pedra Rachada (Paracuru). "É de Doblô que eu Vô!" Com nossa agregada da UFAL, ofiuróloga, lotamos a Doblô até o gargalo. Materiais de coleta e de mergulho sob os pés e como assentos de todos. Aproximadamente duas horas de viagem rumo a uma maré negativa (-0,1 m), uma preciosidade para o estudo do entremarés. A praia foi escolhida após análise do litoral norte cearense no Google Terra.

Praia de Pedra Rachada, em Paracuru (CE), ilustrando o amplo setor recifal, e presença de pier da Petrobras. Google Terra. 

Na 1a fila, Sula e Eduardo. No meio, Lilian (ofiuros), Cristiana e Camille. Ao fundo. André e Humberto.

Relativamente poucas piscinas, muito rasas, e com cobertura predominante de algas. Parecia que não seria uma boa coleta. Ao contrário do que havíamos visto em Alagoas, aqui as armadilhas para peixes estavam totalmente desprovidas de esponjas. Portanto, o objetivo logo passou a ser alcançar o pier, na esperança de encontrar aí mais esponjas.

Procurar nós procuramos. Aqui, Eduardo buscando espécimes nas pequenas locas que se podia encontrar.

Já no bordo do recife, apesar da falta de poças e piscinas onde se pudesse mergulhar, alguns blocos soltos de arenito ilustravam a diversidade que se pode encontrar no local. Entretanto, como chegamos algo atrasados para a maré baixa, não nos restou tempo para explorar adequadamente o setor. Após a coleta da 1a amostra as ondas já começaram a lavar o bordo recifal, e colocar em risco os equipamentos, pois vai-se a água-clara das piscinas e poças, e vem a água muito turva do bordo externo.

Sob o pier da Petrobras havia uma piscina ampla, porém também muito rasa, e pobre em recobrimento de poríferos.

Passado o pier, segimos afastando-nos em rumo oeste, e para surpresa de todos encontramos uma piscina repleta de esponjas. De cara passou a ser nossa Piscina Paraíso. Aqui, André fotografa o Paraíso. 

MNRJ 18928, Cinachyrella sp. O Paraíso estava lotado destas esponjas que apesar de não planejado originalmente, prestam-se perfeitamente para nossos estudos de conectividade Brasil - Caribe, pois são amplamente distribuídas no Atlântico Tropical Ocidental, ao menos da Flórida à São Paulo ou Santa Catarina. Mas há um porém ... as duas espécies C. alloclada e C. apion, são indistinguíveis em campo. Assim, somos forçados a coletar mais espécimes para assegurar que ao fim tenhamos um número amostral satisfatório.

[http://www.marinespecies.org/porifera/porifera.php?p=sourceget&id=156345 - link para o Catalogue of Brazilian Porifera de Muricy et coll. (2011), onde nas páginas 169 e 170 se encontra uma compilação dos registros destas espécies para o Brasil e o mundo 
]

MNRJ 20067, uma provável Haliclona coletada pelo André no Paraíso. Buscamos agora a confirmação molecular das novas espécies propostas em seu mestrado com base em caracteres morfológicos apenas.

MNRJ 18929, Dragmacidon reticulatus. A espécie é um de nossos alvos prováveis para os estudos de conectividade Brasil - Caribe. O plano é estudar sua metabolômica (Humberto Fortunato/UERJ) em colaboração com a França (Institut Méditerranéen de Biodiversité et d'Ecologie, Marselha), e sua citologia (Sula Salani/UFRJ) em colaboração com a Bélgica (Institut royal des Sciences naturelles de Belgique, Bruxelas). Nosso colega colombiano, Prof. Dr. Sven Zea, também manifestou interesse em participar deste estudo, como forma de melhor compreender a variabilidade que observa em seu país. 
MNRJ 20071, Placospongia cf. cristata, outra espécie candidata às comparações Brasil - Caribe. Infelizmente a taxonomia deste gênero está longe de estar consolidada, e não há ainda um estudo integrativo detalhado para estabelecer os reais limites entre espécies no Atlântico Tropical Ocidental. Quatro nomes foram utilizados para espécies brasileiras, carinata, cristata, intermedia e melobesioides, dos quais apenas cristata é original do Brasil. Some-se a isso o fato de que estudos moleculares preliminares apontaram a existência de diversidade genética subestimada.

Não raro pode-se observar espécimes deste gênero fora d'água, especialmente em ambientes úmidos e abrigados da insolação direta. Nestas casos percebe-se os limites das placas na superfície, porém não se vê os canais aparentes na imagem acima, quando o espécie está relaxado debaixo d'água.

Maré subindo, água turvando, últimos momentos no Paraíso antes de partirmos para a triagem do material coletado. Humberto, Cristiana, Camille e Lilian, e ao fundo, Eduardo.

Como de costume, laboratório improvisado em mesas de bar ou restaurante, atendendo à demanda por informação dos curiosos menos tímidos. Às vezes não é possível fazer isso em finais de semana. Devemos ter ocupado umas 10 mesas!